O socialismo é uma doutrina política e econômica que surgiu
entre o fim do século XVIII e a primeira metade do século XIX, no contexto da
Primeira Revolução Industrial. Baseada sobretudo no princípio de igualdade, a
corrente socialista emergiu como uma forma de repensar o sistema capitalista
que vigorava na época. De uma forma geral, quando falamos em socialismo
frequentemente associamos o termo à corrente marxista, mas essa não é a única
forma de socialismo existente.
A partir do século XX, ocorreram no mundo várias tentativas
de implementação de regimes socialistas. Atualmente, alguns países afirmam
apresentar um sistema baseado em tais princípios, mas será que eles são mesmo
socialistas? Descubra como funciona o socialismo, quais são os seus
principais pensadores e de que formas essa doutrina se apresenta no
mundo contemporâneo.
COMO SURGIU O SOCIALISMO?
No final do século XVIII, a Europa passava por um processo
que gerou mudanças em todas as esferas da sociedade: a Revolução Industrial.
Essa revolução não só modificou a economia dos países europeus, mas também
causou grandes transformações sociais. Com a modificação dos meios de produção
e, por consequência, o surgimento do ambiente fabril, o sistema capitalista
entrava em uma nova fase: ele deixava de ser o capitalismo comercial mantido desde
o século XV para assumir a forma de um novo capitalismo industrial.
Com a crescente expansão das indústrias, as cidades cresciam
rapidamente, sem qualquer planejamento. Ao mesmo tempo, muitos trabalhadores
migraram do meio rural para as cidades, onde a produção fabril empregava a
maior parte da mão-de-obra.
Enquanto isso, a sociedade europeia se dividia entre dois
grandes grupos: de um lado, um proletariado que nada possuía além da própria
mão-de-obra; do outro, uma classe burguesa que detinha a maior parte da riqueza
produzida. Essa segregação social se refletia na organização da cidade, com os
trabalhadores pobres sendo deslocados para as margens da área urbana, onde
predominava a miséria.
Esse novo proletariado fabril encontrava-se sob as mais duras
condições de trabalho, onde não existia qualquer meio legal de proteção: os
salários eram baixos e as jornadas diárias de trabalho chegavam a 16 horas, não
possuíam direito a nenhum dia de descanso; não existia limite de idade, as
crianças trabalhavam desde cedo e os idosos não tinham direito à aposentadoria;
além disso, contavam com péssimas condições de segurança no ambiente de
trabalho.
Neste contexto de pleno desenvolvimento do capitalismo, mas
ao mesmo tempo de rápido aumento da miséria, alguns intelectuais passaram a
buscar alternativas que pudessem melhorar esse cenário social. Foi em resposta
a esses problemas que pensadores criaram a teoria socialista, como um
caminho para organizar uma sociedade onde não houvesse desigualdades.
Os primeiros pensadores dessa corrente foram Saint-Simon,
Charles Fourier e Robert Owen. Cada um à sua maneira, esses autores fizeram
parte da primeira forma de apresentação da ideologia socialista, mais tarde
denominada socialismo utópico. Posteriormente, surge o socialismo
científico, tendo como teóricos mais notáveis os alemães Friedrich Engels e
Karl Marx.
O SOCIALISMO UTÓPICO
O socialismo utópico foi a primeira corrente socialista,
desenvolvida ainda durante a Primeira Revolução Industrial. Um dos seus grandes
estudiosos foi o filósofo e economista francês Claude-Henri de Rouvroy, mais
conhecido por Conde de Saint-Simon.
Para ele, era importante que as classes prósperas entendessem
que melhorar as condições de vida dos mais pobres implicaria na melhoria de
suas próprias condições de vida. Assim, o objetivo das instituições sociais
seria o de melhorar intelectual, moral e fisicamente, as condições da classe
mais pobre e numerosa. Tudo isso através do progresso industrial e científico.
Saint-Simon foi um crítico do “tripé de dominação social”,
formado pelo clero, a nobreza e os militares. Diferente de outros pensadores
socialistas, não defendia o fim da propriedade privada e nem a revolução como
caminho para a reformulação da sociedade. Além disso, Saint-Simon era favorável
a uma forte interferência do Estado sobre a economia.
Outro teórico do socialismo utópico foi Charles Fourier.
Ele propôs a criação de sociedades comunitárias e independentes, ainda que
dentro da sociedade capitalista. Essas comunidades viveriam isoladas da
sociedade, dependeriam do capital privado e não buscariam igualdade absoluta.
Nelas haveria incentivo à eficiência industrial e, apesar de existir diferença
de renda, esses rendimentos não seriam tão destoantes.
A comunidade idealizada por Fourier tornaria todos mais
felizes e resultaria em aumento da produção. Ainda assim, Fourier nunca
conseguiu colocar sua comunidade ideal em prática.
Assim como Fourier, Robert Owen também idealizou a criação de
comunidades independentes dentro de uma sociedade maior. Contudo, suas
comunidades visavam a igualdade absoluta, onde a única hierarquia seria baseada
na idade. Nelas, a unidade de troca seria a hora de trabalho.
Diferente de Fourier, Owen conseguiu colocar sua comunidade
em prática. Nela, os empregados eram pagos com altos salários e trabalhavam
menos horas do que em outro lugar. Além disso, os trabalhadores eram sustentados
por Owen durante crises econômicas e os sócios recebiam um valor limitado de
lucros, aplicando o resto do dinheiro na melhoria da comunidade.
Contudo, as comunidades de Owen só funcionavam sob sua
supervisão. Com o tempo, as brigas internas e entre seus sócios levaram essas
comunidades ao fim.
Os socialistas utópicos enxergavam a indústria como o caminho
para o desenvolvimento econômico e, com isso, para a melhoria de vida da
população. Diferente dos socialistas científicos, não defendiam o fim do sistema
capitalista como um passo necessário para se atingir uma sociedade justa e
igualitária.
As formulações destes socialistas eram modelos idealizados de
sociedade, por isso o nome de socialismo utópico. Marx criticou esse sistema ao
apontar que, apesar dos socialistas utópicos apresentarem ideais de uma
sociedade mais justa e igualitária, não mostraram os instrumentos e métodos
necessários para que esses objetivos fossem atingidos.
O SOCIALISMO CIENTÍFICO
O socialismo científico foi criado no século XIX, pautado em
uma análise histórica e científica do capitalismo. Por ter como pensadores
Friedrich Engels e Karl Marx, o socialismo científico é muito conhecido
como marxismo. Segundo Marx e Engels, em todas as épocas históricas a
sociedade foi marcada pela luta de classes, sendo essa relação caracterizada
pelo antagonismo entre uma classe opressora e uma oprimida. No sistema
capitalista, essas classes são representadas, respectivamente, pelos
proprietários privados do capital, e portanto os donos dos meios de
produção, e do outro lado por uma massa de assalariados sem posses, que
dispõe apenas de sua força de trabalho.
O marxismo enxerga o proletariado como a única classe social
capaz de destruir essa forma de exploração do homem pelo homem, através da destruição
do capitalismo. Isso seria alcançado quando o proletariado chegasse ao poder,
através da revolução. Ao atingir o poder, os trabalhadores eliminariam as
desigualdades, abolindo as classes sociais e tornando a sociedade igualitária.
Quando isso acontecesse, estaria assinalada a passagem do socialismo para
o comunismo.
Além de propor a extinção das classes sociais através da
revolução, o socialismo científico defende ainda:
A socialização dos meios de produção: todas as formas de
produção, como as indústrias por exemplo, passam a pertencer à sociedade e são
controladas pelo Estado. Com isso, a riqueza deixa de ser concentrada nas mãos
de uma minoria privilegiada.
Abolição da propriedade privada e controle do Estado
sobre a divisão igualitária da renda.
Economia planificada: todos os setores econômicos passam a
ser controlados e dirigidos pelo Estado, que determinará os preços, os salários
e a regulação do mercado como um todo.
COMUNA DE PARIS: A PRIMEIRA EXPERIÊNCIA PRÁTICA DO SOCIALISMO
A Comuna de Paris foi a primeira tentativa na história de
implantação de um governo socialista. Em 1871, após a derrota da França na
Guerra Franco-Prussiana, Adolphe Thiers assumiu o poder francês e assinou um
acordo de paz com o chanceler prussiano Otto Bismarck. Como o acordo era extremamente
favorável à Prússia, a classe operária não concordou com o contrato firmado e
se revoltou contra o governo francês. Com apoio da Guarda Nacional, a classe de
trabalhadores tomou o poder de Paris, instaurando a Comuna. O governo na comuna
foi composto por noventa representantes eleitos, que seguiam diferentes
vertentes socialistas, entre elas o marxismo. Boa parte desses representantes
pertencia à Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também conhecida
como Primeira Internacional, a primeira organização de trabalhadores a
superar as fronteiras nacionais.
A principal meta da comuna era a melhoria das condições de
vida e trabalho dos operários. Entre as principais medidas tomadas estão:
Fixação de um salário
mínimo para os trabalhadores;
Estabelecimento do ensino gratuito para todos, bem
como do ensino noturno;
Redução da jornada de trabalho;
Autogestão nas fábricas, tornando os operários responsáveis
pela organização;
Declaração da igualdade entre homens e mulheres
Criação do Estado Laico,
através da separação entre Igreja e Estado.
Após a instauração da Comuna de Paris, ocorreram diversas
outras tentativas de criação de comunas em toda a França. Para impedir o
avanço do movimento, os governos francês e prussiano, que recém haviam se
enfrentado em uma guerra, se uniram para derrubar a comuna parisiense. Com
apoio das tropas prussianas, o antigo governo de Paris invadiu a cidade e
recuperou o poder. Após curtos 72 dias de existência, chegava ao fim a primeira
experiência de um governo socialista de composição operária.
O SOCIALISMO REAL NA UNIÃO SOVIÉTICA
Ainda que a Comuna de Paris tenha sido a primeira experiência prática de socialismo, foi somente no século XX que a ideologia socialista foi adotada por um país inteiro. A primeira nação a adotar esse sistema foi a Rússia, que pouco tempo depois se unificaria com outros países para formar a União Soviética.
O regime socialista foi estabelecido na Rússia em 1917,
quando uma revolução derrubou a monarquia czarista que vigorava no país. Após a
queda da monarquia,
o Partido Bolchevique, liderado por Vladimir Lênin, instaurou o governo
socialista, que defendia ideais baseados sobretudo nos princípios marxistas.
O governo de Lênin enfrentou forte oposição de setores
ligados ao antigo regime czarista, o que gerou uma longa guerra civil no país.
Após o fim do confronto, a Rússia estava devastada e, para reconstruí-la, o
governo decidiu abandonar momentaneamente alguns rígidos princípios
socialistas. Através da chamada Nova Política Econômica (NEP), o país voltou a
usar formas de produção capitalistas, como a abertura de pequenas fábricas,
diferenças salariais e investimento estrangeiro no país.
Em 1922, sob o governo de Josef Stalin, a Rússia se une a
vários outros países europeus para constituir oficialmente a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Durante seu governo, Stalin aboliu o
NEP e estabeleceu os planos quinquenais, onde as metas da economia soviética
eram definidas em um prazo de cinco anos. Stalin priorizou a expansão e o
desenvolvimento da indústria, além de centralizar diversos outros setores nas
mãos do Estado.
O socialismo implantado na União Soviética pode ser chamado
de socialismo real, por ser considerado a primeira experiência
prática de países que adotaram medidas da teoria socialista. Embora algumas
dessas medidas tenham sido propostas durante os 72 dias da Comuna de Paris,
esta foi a primeira vez em que os princípios socialistas se mantiveram como
sistema politico de uma nação por um longo período de tempo, um
diferencial em relação às teorias socialistas anteriores, que praticamente se
mantiveram no campo das ideias.
ATUALMENTE, QUAIS PAÍSES SE DECLARAM SOCIALISTAS?
Existem hoje países que se auto-declaram socialistas, apesar
do assunto ser bastante controverso. Mesmo que muitos deles ainda sigam alguns
princípios socialistas, é notável a influência do sistema capitalista em seus
sistemas, sobretudo na esfera econômica. Confira quais são os países que adotam
princípios socialistas atualmente:
1) Cuba
Cuba talvez seja o exemplo mais conhecido de socialismo
moderno. Instaurado no país desde a Revolução de
1959, o sistema cubano ainda mantém muito dos seus ideais
socialistas, como a busca pela igualdade e a centralização dos serviços nas
mãos do Estado. Contudo, o país já demonstra muitos indícios da economia
capitalista, como a indústria do turismo e o comércio externo, ainda que
limitado pelo embargo econômico. Desde o fim de 2015, Cuba tem protagonizado uma reaproximação com os
Estados Unidos. Saiba mais sobre esse processo aqui!
2) China
O socialismo foi implantado na China em 1949, pouco tempo
depois do fim da Segunda Guerra Mundial. O país manteve estreita relação com a
URSS até a década de 1960, mas a partir dos anos 1970 começou a adotar aspectos
capitalistas na economia. Por apresentar uma estrutura política baseada no
socialismo, mas um sistema econômico capitalista, a china se define como um
“socialismo de mercado”.
3) Coreia do Norte
A Coreia do Norte surgiu a partir da fragmentação da antiga
Coreia em 1948, quando se originaram dois países: um com um sistema socialista,
apoiado pela URSS, e uma nação capitalista, apoiada pelos Estados Unidos. Com uma economia baseada na indústria pesada e
na agricultura mecanizada, o sistema coreano possui rígido controle político,
mas já se nota o crescimento de um mercado privado.
Mudanças recentes permitem ao agricultor vender o excedente
da sua produção, além de poder reinvestir os lucros ou gastá-lo. A adoção dessa
e outras práticas de mercado surgiu como um mecanismo de sobrevivência diante
da fome, e alguns representantes do governo dizem que é uma medida momentânea
enquanto o país não consegue produzir os bens de consumo necessários.
4) Vietnã
O Vietnã adotou o regime socialista em 1976, após a conhecida
guerra contra os Estados Unidos. Nos anos 1990, o governo realizou reformas em
sua política econômica, adotando um sistema semelhante ao chinês. Assim, o
Vietnã, que até então possuía uma economia baseada na agricultura, expandiu seu
setor industrial, registrando o maior crescimento econômico do Sudeste Asiático
nos últimos anos. Após atrair capitais estrangeiros, o país passou a
integrar o grupo dos “Novos Tigres Asiáticos”, ainda que mantenha um sistema
político socialista
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