A social democracia é uma variação do socialismo, surgida
dentro do movimento operário ainda no século XIX. Hoje em dia, após mais de um
século de evolução, essa corrente diverge do socialismo marxista, que
busca substituir o sistema econômico capitalista (no qual os meios de
produção estão nas mãos de indivíduos) pelo sistema econômico socialista (no
qual os meios de produção são coletivizados). A social democracia aceita o
capitalismo, mas busca mitigar os efeitos desse sistema considerados adversos,
por meio da política. Para isso, utiliza-se de intervenções econômicas e
sociais e promove reformas parciais do sistema ao invés de substitui-lo
por inteiro. A social democracia é um pensamento político de centro-esquerda e
seus principais valores são a igualdade e a liberdade.
No campo político, a social democracia defende as liberdades
civis, os direitos de propriedade e a democracia
representativa, na qual os cidadãos escolhem os rumos do governo por meio de
eleições regulares com partidos políticos que competem entre si. No campo
econômico, a social democracia encontrou nas teorias do economista
britânico John Maynard Keynes (1883-1946) a combinação perfeita para
aliar os interesses sociais à mitigação de aspectos considerados
problemáticos do capitalismo, como crises periódicas e elevado desemprego. Dessa
combinação surgiu o Estado de Bem-Estar Social.
O QUE É O ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL?
O Estado de bem-estar é uma organização política e econômica
na qual o Estado tem um papel central na organização econômica, visando
promover o progresso social e criar redes de segurança aos cidadãos “do berço
ao túmulo”, ou seja, durante toda a sua vida. O Estado é o regulador da vida
social e econômica do país.
No paradigma keynesiano, o Estado passou a ter a função
de evitar ou amenizar as crises econômicas com intervenções anticíclicas na
economia, que visam aumentar a demanda interna e reaquecer a economia. Esse
aumento da demanda interna pode ocorrer pelo aumento da renda dos
trabalhadores, pela abertura de linhas de crédito subsidiadas ou pelo gasto
público direto em obras de qualquer espécie. Mesmo que essas ações causem um
déficit público num primeiro momento, tudo se compensa quando um novo
ciclo de expansão da economia se inicia.
O governo também passa a ter como objetivo a manutenção
de um regime de pleno emprego e o aumento da renda dos trabalhadores,
que resultariam em aumento da demanda interna, crescimento econômico e
melhora das condições sociais. Além disso, o governo regula o mercado de
trabalho, criando proteções e leis como o salário mínimo, a regulação
da jornada de trabalho, negociações coletivas entre sindicatos e representantes
de setores empresariais e uma gama de direitos trabalhistas. Aliás, os
sindicatos são uma das bases políticas mais importantes na social
democracia.
O Estado também participa de atividades econômicas que são
consideradas necessárias ao desenvolvimento do país, mas que poderiam não ser
atendidas adequadamente pela iniciativa privada, tanto por falta de interesse
devido às margens de lucro pequenas, quanto pela impossibilidade de oferecer
serviços adequados para toda a sociedade – como costuma ocorrer nos setores de
energia (geração elétrica, petróleo, carvão), comunicações, transportes entre
outros, e mais raramente na produção de bens de consumo.
PROTEÇÃO DO ESTADO AO CIDADÃO
No campo social, o Estado passa a oferecer à população
uma rede de segurança que garante um padrão mínimo de vida. Essa rede
de segurança inclui a seguridade social, com benefícios como o seguro desemprego,
auxílio durante períodos de enfermidade, licença maternidade, aposentadoria por
invalidez ou por tempo de trabalho, entre outros. Também inclui programas de
assistência social que visam auxiliar as pessoas mais vulneráveis da sociedade.
Uma parte importante do papel do Estado na área social é
o provimento de serviços públicos abrangentes e de qualidade. Nesse
paradigma, o Estado é considerado o melhor provedor de serviços básicos, pois
atenderia a toda a sociedade igualmente independente de poder econômico ou
localização geográfica, em contraposição aos serviços privados, que podem ficar
restritos a uma parte da população. Entre os serviços públicos providos pelo
Estado de bem-estar social, costumam estar inclusos a assistência médica
ampla e gratuita, programas habitacionais, educação infantil, educação
superior, bem como educação básica, segurança, infraestrutura, justiça,
entre outros. É claro que essa ampla gama de serviços e tarefas do Estado necessita
de recursos, que serão obtidos da sociedade por meio de uma carga
tributária mais alta.
O PROGRESSISMO NA SOCIAL DEMOCRACIA
A social democracia sofre de uma aparente contradição,
pois ao mesmo tempo em que é coletivista em assuntos econômicos (ao defender a
intervenção do Estado na economia e prover serviços públicos abrangentes), é
individualista nas questões de ordem social e moral. A social democracia não
tem como um de seus valores a manutenção da ordem social vigente ou a defesa
dos comportamentos tradicionais.
Nesse contexto, a social democracia adapta-se bem às ideias
progressistas no campo social. Esse fato acaba gerando certa confusão nas
pessoas, que acabam enxergando indistintamente as ideias progressistas das
ideias de centro-esquerda, sem perceber que na verdade o progressismo é
contraposto mais pelo conservadorismo e não pela direita como um todo, como
será discutido em outros posts desta trilha.
CRÍTICAS À SOCIAL DEMOCRACIA
A social democracia não está imune a críticas,
evidentemente. A aplicação prática desse modelo evidenciou alguns de seus
problemas estruturais. Uma das críticas é a tendência a baixos níveis de crescimento
econômico, pois muitas vezes os objetivos sociais acabam tornando-se
antagônicos à eficiência econômica, como quando o governo aumenta
artificialmente o valor dos salários, mantém taxas de câmbio desequilibradas
para evitar a inflação,
usa empresas estatais ineficientes para prover bens e serviços ou aumenta os
impostos para financiar o Estado.
Outra crítica comum é que a busca do Estado em mitigar ao
máximo os riscos inerentes à vida implicaria menor autonomia das pessoas e
seria uma tentação para políticos transformarem o Estado em uma
instituição paternalista. Em adição, o avanço do Estado em mais esferas da
vida social, com imposição de mais regras e burocracia, deixaria menor
espaço para a liberdade de decisão individual.
Alguns de seus críticos apontam que o próprio sucesso do
sistema pode acionar os mecanismos de seu enfraquecimento. O aumento da
segurança social, tanto pela previdência – como a ampliação das situações cobertas
ou do número de beneficiários – quanto por meio de programas sociais impõe
aumentos de gastos públicos que devem ser cobertos por encargos
sociais, a maioria dos quais incide sobre a folha de pagamento. Nesse cenário,
o custo do trabalho eleva-se e os empresários buscam alternativas para diminuir
a necessidade de mão de obra, como a automatização ou a transferência para
outros países. Essa situação compromete o objetivo de manter o pleno emprego.
Por conseguinte, há mais pessoas desempregadas, que impõem um custo maior à
seguridade social, que por sua vez conta com menos contribuintes para
sustentá-la. Ou seja, pode-se iniciar um ciclo vicioso que resultará em
uma crise de sustentabilidade do sistema
Como operam
Os marxistas, que sempre dedicaram uma enorme quantidade de
tempo pensando em uma estratégia para seu movimento, sempre se fizeram a
seguinte pergunta: quem é o agente da mudança social? O marxismo clássico
encontrou uma resposta fácil: o proletariado.
Porém, com o passar do tempo — e com a recusa do proletariado
em ser este agente da mudança —, as coisas foram se tornando menos definidas, e
o agente da mudança social passou por sucessivas alterações: camponeses,
mulheres oprimidas, minorias, e todos os tipos de grupos vitimológicos (negros,
feministas, gays, deficientes, índios, cegos, surdos, mudos etc) que aceitassem
este papel.
Atualmente, a questão relevante está do outro lado da moeda:
quem são os vilões que dão sustento à social-democracia? Quem
são os agentes das mudanças sociais negativas? Mais ainda: quais
grupos da sociedade representam as maiores ameaças para a liberdade?
Basicamente, sempre foram apresentadas duas respostas: (1) as
massas que vivem de assistencialismo e que, por isso, são apologistas do
estado; e (2) as elites que controlam o poder (políticos e grandes empresários
ligados a esses políticos).
Ainda em minha juventude, concluí que o maior perigo sempre
foi a segunda opção — a elite dominante —, e pelos seguintes motivos.
Em primeiro lugar, mesmo que as massas dependentes do estado
tenham o potencial para se rebelar de forma violenta e passar a agir como se
seu sustento fosse um direito inalienável ("direito", no caso, nada
mais é do que um dever impingido aos pagadores de impostos), o fato é que tais
massas simplesmente não têm tempo para se dedicar à política e às peripécias e
trapaças do jogo político. O cidadão pertencente a este grupo passa a
maior parte do seu tempo cuidando de seus afazeres rotineiros, interagindo com
seus amigos e se divertindo com a família. Apenas muito esporadicamente
ele irá se interessar por política ou se engajar politicamente em uma causa.
As únicas pessoas que têm tempo para se dedicar à política
são os profissionais: burocratas, políticos e grupos de interesse (lobistas e
grandes empresários) que dependem diretamente das regras estipuladas por
políticos e burocratas. Estes últimos (lobistas e grandes
empresários), em particular, usufruem trânsito livre junto a políticos e burocratas
do governo, os quais, em troca de propinas e doações de campanha, concedem a
esses empresários uma ampla variedade de privilégios que seriam simplesmente
inalcançáveis em um livre mercado. Os privilégios mais comuns são
restrições de importação, subsídios diretos, tarifas protecionistas, empréstimos
subsidiados feitos por bancos estatais, e agências reguladoras
criadas com o intuito de cartelizar o mercado e impedir a entrada de
concorrentes estrangeiros.
(E estamos aqui desconsiderando os privilégios ilegais, como
as fraudes em licitações e o superfaturamento em prol de empreiteiras, cujas
obras são pagas com dinheiro público).
Em troca desses privilégios (legais e ilegais), os grandes
empresários beneficiados lotam os cofres de políticos e burocratas com amplas
doações de campanha e propinas.
Dado que tais pessoas ganham muito dinheiro com o jogo
político, elas são intensamente interessadas no assunto, e dedicam vinte e
quatro horas de seus dias pensando em novas maneiras de espoliar a população em
benefício próprio. Sendo assim, estes grupos de interesse sempre
representarão um perigo muito maior para a nossa liberdade e propriedade do que
as massas desinteressadas.
Esta foi a constatação básica dos seguidores da Teoria da Escolha
Pública. Os únicos outros grupos interessados em política em tempo
integral são aqueles que se interessam em estudar o assunto, ideólogos como
nós, um segmento nada volumoso da população. Portanto, o problema está
tanto na elite que controla o aparato estatal quanto na elite cuja riqueza
depende diretamente das políticas implantadas por este aparato estatal.
Um segundo ponto crucial é que a social-democracia, com seu
estado fiscalmente voraz e obeso, divide a sociedade em dois grupos: a elite
dominante, que necessariamente é a minoria da população, e que é sustentada
pelo segundo grupo — nós, o resto da população.
No entanto, dado que uma elite minoritária é capaz de
governar, tributar e explorar a maioria do público sem sofrer retaliações, isso
nos leva ao principal problema da teoria política: o mistério da obediência
civil. Afinal, por que a maioria do público aceita se submeter a essa
gente, sem oferecer resistência?
Esta indagação foi respondida por três grandes teóricos
políticos: Étienne
de la Boétie, teórico libertário francês de meados do século XVI, David
Hume e Ludwig von Mises. Eles demonstraram que, exatamente pelo fato de a
elite dominante estar em minoria, a coerção por si só não pode funcionar no
longo prazo. Até mesmo na mais despótica das ditaduras, o governo irá se
manter apenas se contar com o apoio da maioria da população. No longo
prazo, o que é preponderante são as ideias, e não a força — e qualquer governo
tem de ter legitimidade na mente do público.
Essa verdade foi perfeitamente demonstrada durante o colapso
da União Soviética. Quando os tanques foram enviados para capturar Boris
Yeltsin, eles foram
persuadidos a apontar suas armas para o outro lado e a defender Yeltsin e o
Parlamento russo. Em linhas gerais, estava claro que o governo
soviético havia perdido toda a legitimidade e apoio entre a população.
Para um libertário, foi particularmente fantástico assistir à morte de um
estado, particularmente um estado monstruoso como a União Soviética. Até
o final, Gorbachev continuou emitindo decretos, como sempre fez, mas a
diferença é que ninguém mais prestava atenção e nem dava a mínima. O antes
todo poderoso Supremo Soviético (a legislatura da URSS) continuava se reunindo
frequentemente, mas ninguém se dava ao trabalho de comparecer. Glorioso!
Quem garante o consentimento dos espoliados
Mas ainda não resolvemos o mistério da obediência civil.
Se a elite dominante está tributando, espoliando e explorando o público, por
que o povo não se rebela? Por que ele tolera tudo isso? Por que ele
simplesmente não retira seu consentimento?
Resposta: não se deve jamais ignorar o papel crucial dos
intelectuais, a classe que molda as opiniões da sociedade. Se as massas
soubessem como o estado realmente opera, elas imediatamente retirariam seu
consentimento. Elas rapidamente perceberiam que o rei está nu, e que elas
estão sendo espoliadas. É para evitar essa "tragédia" que os
intelectuais entram em cena.
A elite dominante, seja ela os monarcas de antigamente, os
comunistas de pouco tempo atrás ou os social-democratas da atualidade,
necessita desesperadamente de exércitos de intelectuais que teçam apologias
para o poder estatal. O estado governa por determinação divina; o estado
assegura o bem comum e o bem-estar geral; o estado nos protege dos bandidos que
estão sempre à espreita; o estado garante o pleno emprego; o estado ativa
o multiplicador
keynesiano; o estado garante a justiça social. Como demonstrou Karl
Wittfogel em sua grande obra, Oriental Despotism,
nos impérios asiáticos, os intelectuais lograram êxito com a teoria de que o
imperador ou o faraó era uma entidade divina. Se o soberano é Deus,
poucos se atreverão a desobedecer ou a questionar suas ordens.
Podemos ver como os regentes do estado se beneficiam dessa
sua aliança com os intelectuais; mas o que os intelectuais ganham com esse
arranjo?
Intelectuais são pessoas que acreditam que, em um livre
mercado, auferem uma renda muito aquém de sua sabedoria. Para se
aproveitar disso, o estado, para favorecer estes egos tipicamente
hiperinflados, está disposto a oferecer aos intelectuais um nicho seguro e
permanente no seio do aparato estatal; e, consequentemente, um rendimento certo
e um arsenal de prestígios. O estado está disposto a pagar a esta gente
tanto para tecerem apologias ao poder estatal quanto para preencher a miríade
de postos de trabalho nas universidades, na burocracia e no aparato regulatório
do estado. Com efeito, o estado democrático moderno criou uma maciça
superabundância de intelectuais.
Em séculos passados, as igrejas formavam a classe exclusiva
de formadores de opinião da sociedade. Daí a importância para o estado e
seus burocratas de formar uma aliança entre o estado e a igreja, e daí a
importância para libertários da separação entre estado e igreja, o que na
prática significa não permitir que o estado conceda a um grupo o monopólio da
tarefa de moldar as opiniões da sociedade.
No século XX, obviamente, a igreja foi substituída, e o papel
de moldar opiniões — ou, naquela adorável frase, de "fabricar o
consentimento" — foi entregue a um enxame de intelectuais, acadêmicos,
cientistas sociais, tecnocratas, cientistas políticos, assistentes sociais,
jornalistas e a toda a mídia em geral.
Portanto, para resumir o problema: na social-democracia, as
elites dominantes — políticos, burocratas e grandes empresários — se uniram aos
intelectuais e à mídia, e, com o apoio e o trabalho destes, conseguiram iludir
e confundir as massas, doutrinando-as com uma "falsa consciência", como
diriam os marxistas, fazendo-as aceitar passiva e alegremente seu
domínio. Aquilo que em arranjos mais honestos seria visto como espoliação
e exploração, na social-democracia é visto como "bem comum",
"desenvolvimentismo" e "justiça social".
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